domingo, 13 de março de 2011

ECA 2011 – 2020

Foto: Camila de Souza



Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da comissão de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente

Aprovado em 13 de julho de 1990, no ano passado o ECA completou 20 anos. Em torno dessa data, muito se debateu, se discutiu, se polemizou, abordando aspectos sérios, substantivos e também os estandartes e as picuinhas de sempre, usados como bandeirolas pelos detratores do Novo Direito, acenando-os em todas as ocasiões que lhes pareçam propícias.

Estamos agora adentrando o terceiro decênio dessa conquista em favor da população infantojuvenil, que refletiu no Brasil, na América Latina e em outras partes do mundo. Penso que chegou a hora de mudarmos de maneira radical e profunda o modo de ver, entender e agir dos verdadeiros promotores e defensores do desenvolvimento pessoal, social e produtivo das novas gerações: crianças, adolescentes e jovens.

Muitos de nós hão de estar se perguntando: “concordo com esse caminho, mas como fazer isso?”.

O primeiro passo é mudarmos a nossa maneira de pensar os novos avanços e tirar desse pensamento instrumentos que nos permitam destruir as trincheiras e delas desalojar os adeptos da Situação Irregular. Aprendemos a defender nossos adolescentes do abaixamento – não da idade da responsabilidade penal – mas, da idade de imputabilidade penal, evitando assim que eles ingressem precocemente no Sistema Penal de adultos, que é uma farsa ridícula e vergonhosa, indigna de qualquer país que se pretenda civilizado.
Dispomos de um arsenal consistente, capaz de reduzir à mediocridade os que cobram a redução da idade do adolescente no mundo do trabalho regular e remunerado, em nome do combate à delinquência e do reforço às estratégias de incremento à sobrevivência familiar.

Assim, poderíamos elencar uma série de avanços conceituais e práticos:

§ O combate à prostituição, violência e exploração sexual na família e fora dela;

§ A ofensiva contra toda forma de tráfico nacional e internacional de crianças, negligência, violência, crueldade e opressão na família, na escola e em outros âmbitos da vida social.

Por que jogamos apenas na defensiva como se fossemos uma imensa massa de zagueiros? Por que não partimos sem hesitação e sem meios termos para o ataque a essas e a todas as demais formas de defesa do indefensável? Por que não obrigamos essas aves de rapina a combaterem à luz do dia? Por que aceitamos sua marcha na contramão da história, como se fosse algo merecedor das nossas atenções, recursos e energias?

Penso que estamos aceitando jogar o jogo deles e não impor a nossa própria estratégia. Enquanto fizermos isso seremos apenas vitrines e eles os lançadores das pedradas. Esta é uma situação, que pode, deve e merece ser invertida. Se isto não for feito, a terceira década do Estatuto será a repetição das duas primeiras. E este, para nós, as crianças e os jovens, será o pior dos mundos possíveis.
Em razão disso, meu primeiro artigo de 2011, pode ser resumido numa palavra de ordem de sólida objetividade: ATACAR! ATACAR! ATACAR!
Se não fizermos isso, em vez de construir o futuro, passaremos a terceira década do ECA e, talvez o resto do século, nos defendendo de um fantasma que nada tem de camarada. Ao contrário: joga baixo, ataca por trás e, principalmente, explora a falta de cultura cidadã do nosso povo, para induzi-lo a combater o ponto de vista e os interesses das crianças, adolescentes e jovens, que são os portadores do futuro de cada família, de cada povo e da humanidade.
Assim, entendo que deveremos mapear os motivos subjacentes a essas argumentações falaciosas, pô-los a nu e não perder nenhuma oportunidade de expô-los de maneira clara, concisa e didática à opinião pública. Só assim seremos capazes de dar a ver a todos que o rei, além de morto, está nu. Por que, então, desperdiçar com ele uma década que se anuncia como portadora de tantas esperanças para nós, brasileiros?



Quinta, 30 de Setembro de 2010

"A exploração da mão-de-obra infantil rouba ao menino ou menina o direito de ser criança"

Em entrevista exclusiva, o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos redatores do ECA, comenta como o trabalho infantil pode prejudicar a formação do indivíduo e afetar a conquista de sua cidadania. Defende a educação como a única forma eficaz de combater a prática. Confira.

Apesar da mobilização em torno do tema, ainda existem milhões de crianças envolvidas com o trabalho infantil em todo o mundo. Por que essa prática ainda persiste?

ACGC: O trabalho infantil, no mundo industrializado e rural, permanece como uma herança trágica do trabalho escravo. As lutas sociais não existiram nesses países e, quando se esboçaram, foram de tal forma esmagadas que não resultaram em avanços no panorama legal. Escolarização obrigatória, idade mínima de ingresso no mundo do trabalho e normas de proteção contra formas de trabalho danosas ao desenvolvimento pessoal e social jamais chegaram a ser incorporadas à prática. Às vezes, o foram apenas no papel e a segmentos restritos da população infanto-juvenil.

Como o trabalho precoce pode influenciar o processo de formação do indivíduo?

ACGC: Quando se é criança, a exploração da mão-de-obra infantil rouba ao menino ou menina o direito de ser criança: estudar e brincar, assegurando seu desenvolvimento pessoal, social e produtivo e sua integridade física, psicológica e moral. Quando se torna adulto, o direito à cidadania plena lhe é igualmente sonegado. Sem educação, cultura e profissionalização, torna-se um ser humano inserido de forma degradante na vida privada, social e produtiva.

Veste-se como menino grande, usa vocabulário elementar de adolescente, sobrevive de pequenos expedientes frequentemente imorais e ilegais, além, é claro, de tornar-se um pária político. A paisagem das grandes cidades do mundo não desenvolvido cultiva esses tipos de seres humanos invariáveis, como pessoas, apartadas como entes políticos e improdutivos e inimpregáveis como profissionais.

De que modo o trabalho infantil prejudica o processo de aprendizado das crianças?

ACGC: Não frequentar a escola ou fazê-lo de forma fragmentária, precária e sem qualquer acompanhamento ou apoio fora do ambiente escolar é um teatro grotesco e uma triste comédia em termos de política pública.

No Brasil, à medida que se universalizam (fato extremamente positivo), os Ensinos Fundamental e Médio desabam em termos de qualidade. “A educação”, costumava dizer Dom Vecchio, oitavo sucessor de Dom Bosco à frente dos Salesianos, “é como um pote de barro entre dois potes de ferro: a política e a economia”. Ambos a enaltecem de forma retoricamente impactante.

Em termos de ações concretas, o professor – como pessoa humana, profissional e cidadão – ainda me parece alguém, que vagueia erraticamente pelos bastidores desse debate, como alguém semi-ignorado. Pensar esta questão predominantemente em termos de metodologia e gestão não é um erro, todavia, está longe de ser uma solução capaz de dar conta do problema.

A maioria dos programas de erradicação do trabalho infantil prevê o retorno da criança à escola. A educação é a melhor ferramenta para combater o trabalho infantil? Por quê?

ACGC: A educação de qualidade para todos com apoio efetivo da família não é a melhor. É a única forma de se fazer um ataque frontal à exploração da mão-de-obra infanto-juvenil. A luta sindical, o Ministério do trabalho, a Justiça Trabalhista, as denúncias na mídia, o protagonismo dos conselhos de direitos e conselhos tutelares são formas necessárias, válidas e eficazes de combater essa prática. São, porém, ataques laterais (escaramuças). Elas, por sua fragilidade institucional e incapacidade de cobertura efetiva em todo território nacional, acabam tornando-se ações de testemunho e denúncia. Não há como fugir do binômio escola competente/família comprometida. O resto é importante, mas está longe de ser decisivo. Esta é, no fundo, a diferença entre as “onças” latino-americanas e os temíveis Tigres Asiáticos.

O ECA, um dos fundamentos legais que garante esses direitos, acaba de completar 20 anos. Que tipo de iniciativas podem ajudar a divulgar seus preceitos e assim colaborar no combate ao trabalho infantil?

ACGC: Poderia elencar aqui dezenas de pequenas receitas de efeito curativo ou analgésico sobre o fenômeno. Porém, para tornar-se a coluna dorsal do combate ao trabalho infantil, o ECA deve voltar às suas origens e ampliar e aprofundar, de forma cada vez mais articulada e consequente, todas as formas viáveis de atuação convergente, intercomplementar e sinérgica a cooperação entre as políticas públicas, o mundo jurídico e as organizações da sociedade civil organizada. Embora estreito e pedregoso, este é o caminho para fazer do presente verdadeiramente a superação, e não a continuação do nosso deplorável passado nas tentativas de encarar de frente essa tragédia.

Criança e Adolescente, prioridade absoluta!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Dê o seu parecer isso nos ajudará bastante!